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segunda-feira, abril 26, 2004

Sobre a dificuldade da despedida 

Acontece-me frequentemente nos últimos tempos, especialmente à noite quando não há barulho e fecho os olhos, voltar à noite de 9 de Janeiro de 2004. Aquele farrapo ali deitado foi em tempos o meu avô, o homem que poderia ter sido fadista mas que por força das circunstâncias e das insistências da minha avó se tornou inspector dos Correios. Por ser mais seguro.

Várias décadas de fumo tiraram-lhe os pulmões. Os médicos conseguiram dar-lhe quatro anos de vida, com qualidade importa dizer-se, mas por fim a merda do cancro acabou por o vencer. Definhou em nada no espaço de um mês, sem que alguém pudesse fazer o que quer que fosse. Deu-nos um último Natal.

Ficou gravado na minha memória a imagem daquelas últimas horas, magro, olhos empastelados, sem perceber o que se passava à volta dele. Cada respiração parecia ser a última, vinha a aflição, o estertor e o desejo que descansasse de vez, que algo pusesse um fim à dor. Fui-me embora com a plena consciência que seria a última vez que o via vivo. Se é que se pode chamar aquilo viver.

Morreu sem que eu lhe pudesse dar a alegria de o convidar para o meu casamento, de me ver ter um filho, de saber que, de alguma forma, algo dele continuava.

É estúpido, cruel e não faz sentido. E dói como ao raio.

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